SINTRA INÉDITA

Nova imagem de Sintra com 500 anos.
Autoria: Degraconis | Pesquisa: Sintra Subterrânea
Cap.1- Introdução Cap.2 - Sobre o fólio onde se representa Sintra  Cap.3 - Representação de Sintra.
26.11.2013


 Diversos são os termos que podíamos ter usado no título mas a escolha recaiu no termo “inédita”, o que até pode causar algum espanto nos leitores mais eruditos nestes temas. Em boa verdade não é, mas para a maioria dos nossos leitores, tal como para nós foi e é, a imagem que iremos apresentar é de facto inédita!

                                                                                        "é impossível dar uma ideia da magnificência desta obra de arte…que é preciso ser bem avaliada”
Frederico Francisco de La Figaniére


1.      Introdução.

A mais antiga representação conhecida de Sintra - vista de três perspectivas diferentes - foi desenhada por Duarte D’Armas, e reporta-se ao início do séc. XVI, voltando somente a surgir imagens no séc. XVIII, apresentando-se no entanto o início do séc. XIX mais profícuo na produção destas, período em que volta a surgir manifestadamente um interesse por Sintra pelos viajantes estrangeiros e pela aristocracia portuguesa, o qual encontra raízes já no último quartel do século anterior com chegada de William Beckford e Gerard Devisme. Têm sido estas três representações divulgadas vezes sem conta em qualquer livro que pretenda abordar a história de Sintra, ou que se debruce sobre a sua arquitectura quinhentista, quer civil, quer militar.

Fig. 1 – Representações de Sintra na obra “Livro das Fortalezas” de Duarte D’Armas.

Vimos por meio deste artigo, divulgar uma nova imagem que doravante deverá merecer os mesmos créditos que as de Duarte D’Armas, até porque lhe é coeva, a qual por nunca a termos visto publicada no âmbito local – nem em sites, nem em obras – presumimos ter escapado a todos quantos se dedicam à sua história, senão mesmo certeza disso.

Antes porém, umas palavras sobre as pesquisas que vínhamos desenvolvendo e no decorrer da quais se dá a descoberta da dita imagem quinhentista, adiante-se já, colorida e representando os três mais importantes monumentos de Sintra, na época e ainda hoje.

Em 1838 é publicada anonimamente uma obra intitulada “Cintra Pinturesca ou memoria descriptiva das villas de Cintra e Collares e seus arredores”, uma das primeiras monografias regionais sobre Sintra. Todavia, é positivo de que a obra é da autoria de João António de Lemos Pereira de Lacerda, 2º Visconde e 2º Alcaide-Mor de Juromenha, mais conhecido apenas como Visconde de Juromenha. Apesar dos graves erros em que por vezes incorre, é indiscutível o seu interesse para qualquer investigação histórica sobre Sintra. Um verdadeiro clássico da literatura sintrense, a que nenhuma biblioteca, que se preze, é alheia.

Em parte, resulta esta obra, da simples compilação de informação que o autor encontrou na Torre no Tombo, e ao qual há que dar o merecido mérito, mas que não soube ou não quis aproveitar para novos desenvolvimentos, como também, de descarados plágios a outros autores anteriores, que por raras serem as suas obras, nem chegam a ser referidos ou citados, como sejam, Francisco Almeida Jordão e a sua obra “Relação do Castelo e serra de Sintra…” do ano de 1748, e o Padre Manuel Pereira de Sottomayor e o seu manuscrito “Cathalogo dos Priores da Igreja de S. Miguel de Cintra em que se conthem alguas antiguidades da mesma villa, consagrado ao archanjo S. Miguel patrono da dicha igreja”, escrito em 1675 e hoje conservado na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre outros.

Fig. 2 – Obra “Cintra Pinturesca” de Visconde de Juromenha e 
“Relação do Castelo e Serra de Cintra” de Francisco Almeida Jordão.

Infelizmente, careceu a obra, de suficientes notas para um perfeito entendimento de algumas das suas passagens, assim como, teria sido mais feliz se a edição tivesse contido algumas ilustrações, nomeadamente de locais e monumentos que vieram a desaparecer ou a ser adulterados substancialmente posteriormente. Ficam, porém, as memórias escritas.

Talvez tenha sido com esse mesmo sentimento que António A.R. da Cunha ficou quando conheceu a obra, visto ter sido o promotor de uma segunda edição, no ano de 1905, introduzindo-lhe consideráveis apontamentos, notas de rodapé e apêndices, insertando-a também profusamente de imagens, que nem sempre se relacionam com o tema a ser tratado, mas que constitui hoje um precioso acervo de imagens antigas de Sintra.

Posto isto, há que dizer, antes de mais, que inicialmente a nossa ideia consistia apenas em fazer mais um Sintra Explorer com transmissão em directo tendo como cenário o Castelo dos Mouros, mas logo fomos imbuídos do mesmo espírito de António Cunha, tendo decidido que para além disso, iriamos encetar por semelhante projecto, ou seja, fazer uma segunda edição de uma outra obra importante, neste caso, do livro “Investigação ao Castelo situado na Serra de Sintra” de Abade Castro e Sousa, do ano de 1843, o qual igualmente padece dos mesmos plágios que a obra de Visconde de Juromenha. Chegámos mesmo ao ponto de colocar em dúvida se o Abade terá de facto realizado a investigação a que se propôs e descreve, tal é a cópia um de outro em certas passagens, porém estamos em crer que se tratou apenas de uma economia de palavras, aproveitando-se das de Jordão de Almeida – neste caso trata-se de plágio sobre este - para algo que talvez acreditasse não fazer melhor. O facto de o ter feito ajudou-nos a entender e a verificar algumas notícias que oportunamente divulgaremos. Aliás, parece que as palavras de Jordão de Almeida tem servido a muitos, nomeadamente ao padre da freguesia de São Pedro de Penaferrim quando este, assumidamente, informa no que respeita à descrição do Castelo a propósito das memórias paróquias de 1758 para indagar dos estragos ocorridos em 1755, irá dar lugar à descrição que o Prior Jordão de Almeida já havia feito, o que nos deixou indignados até porque a obra é anterior ao terramoto. Descobrimos isto quando procurávamos apurar os danos provocados ao castelo e ao convento da Pena e voltámos a esbarrar com a repetição de palavras que já conhecíamos.

Fig. 3 – Obra “Investigação ao Castelo…” e imagens antigas recolhidas pelo Fos Gráfis – Arquivo de Imagens de Sintra, para ilustração.

Encetada tal empresa, que passa não só pela adição de notas de rodapé, apontamentos e alguns apêndices, iniciámos com uma recolha de imagens, antigas e actuais, para ilustrar o percurso que iremos levar a cabo na companhia do Abade no decorrer de mais Sintra Explorer, lançando posteriormente essa segunda edição.
No âmbito desta recolha de informações, inesperadamente, e já no desenvolvimento de um artigo autónomo, na sequência de uma outra descoberta excepcional que fizemos no livro do Abade e que merece um artigo nosso – a publicar ainda este ano – viemos a descobrir, quase acidentalmente, algo digno de registo e divulgação imediata: uma imagem colorida de Sintra do ano de 1530-1534, onde é possível reconhecer perfeitamente o Convento da Pena, o Palácio da Vila e o Castelo dos Mouros, precisamente do qual procurávamos informação e imagens para efeitos de ilustração.

Escasseia-nos o tempo para preparar um texto desenvolvido sobre a imagem que iremos então dar a conhecer, não obstante saber o quanto merecia, nem que fosse uma análise critica da fidedignidade da representação, no entanto iremos deixar para outros mais laboriosos nestas matérias, e mais competentes em semelhante apreciação e trabalho critico.

Posteriormente à sua descoberta, directamente na  British Library, - dai a termos conseguido em alta definição - viemos a encontrá-la, em diversas obra dedicada a Lisboa, não valorizando, em virtude disso, a paisagem sintrense, nem apresentando a imagem com qualidade suficiente para perceber o seu altíssimo valor geográfico, nem mesmo permitindo dar pela existência da representação desses três monumentos já apontados, os quais se apresentam com um detalhe notável, até porque se trata de uma iluminura de um suposto livro, - incompleto - nomeadamente o Palácio da Vila. Portanto é de ressalvar de que não se trata propriamente da descoberta de uma obra desconhecida, ou até eventualmente pouco divulgada. Muitos já se preocuparam com a sua arte e o seu estudo mas em círculos muito restritos, como seja o da Genealogia, ou Olisiponense, não valorizando as representações fora desses temas. Também não deixa de ser verdade que nem todos os seus estudiosos tiveram acesso a todos os fólios hoje conhecidos, nem a possibilidade de os conhecer com a nitidez com que hoje se encontra disponível. Nem mesmo a edição da década de oitenta da editora Inapa, que reproduz os 13 fólios ao natural, permite o vislumbre das imagens como iremos dar a conhecer.

Diversos são nomes que já foram atribuídos a esta obra: “Genealogia dos Reis”. “Genealogia iluminada do Infante D. Fernando”, ”Árvore Genealógica dos Reis de Portugal”, “Genealogia por António de Holanda”, Iluminuras de Simão de Bening”, etc, optando nós por “Genealogia dos Reis” para efeitos deste artigo, até porque é o nome que surge num documento apresentado por António de Holanda na tentativa de receber o pagamento pela obra que ficou incompleta, e não paga, quando da morte do Infante em 1534.

Fig. 4 – Alguns dos fólios da obra designada como “A Genealogia dos Reis”.

Consiste este, num manuscrito, adquirido por partes pelo Museu Britânico, no ano de 1842, após ter sido adquirido por Newton Scott em Lisboa, e em 1868 a um tal de Baron Hortega de Madrid, composto por 13 fólios finamente iluminadas por uma oficina flamenga com o propósito inacabado de mostrar a união das Casas Reais portuguesa e espanhola, na pessoa do Infante Dom Fernando antepassado de D. Manuel e igualmente descendente do Conde Dom Henrique e de seu pai o Rei Santo Estevão da Hungria.

Escusamo-nos a detalhar toda a história que envolve as aquisições atrás referidas, a qual constitui uma verdadeira saga – interessantíssima, diga-se – envolvendo nome de pessoas que não existiram, personagens misteriosas e até, eventualmente, o seu roubo da biblioteca de Madrid. É deveras estranho que tendo parte da obra sido colocada à venda em Lisboa, e tão notável ela é, facilmente percepcionável o seu valor para os nossos museus, não houvesse quem a comprasse. Questão aliás levantada por António de Aguiar no seu estudo histórico e crítico à obra: Não teria D. Fernando II as quarentas libras, valor indicado de venda, para adquirir os fólios reservando-os à coroa portuguesa? Raczynski, que por esta época já afincamente se dedicava a estudos da arte portuguêsa, e que até tinha sido alertado, precisamente pelo Visconde de Juromenha da existência de uma referência quinhentista à obra, não teria intervido evitando a sua saída de Portugal? Tudo isto leva à ideia de que o manuscrito foi vendido – se assim foi de facto – longe dos olhares do público ou à boca fechada.

Damião de Gois, conhecido humanista português, diz-nos que foi encomendado pelo Infante D. Fernando, filho de D. Manuel I, o qual pretendia que se desenhasse uma árvore genealógica desde o tempo de Noé até ao reinado de seu pai, tendo procurado para essa tarefa Simon de Bruges, considerado o melhor mestre na arte da iluminura no seu tempo. Ao que parece, este trabalho resulta da colaboração, à distância, entre António de Holanda, pai de Francisco de Holanda – autor do desenho do antigo templo dedicado ao Sol, à Lua e ao Oceano no lugar do Alto da Vigia, em Colares – e Simon Bening que residia na Flandres.


Fig. 5 – Esq.: Página da Crónica de D. Manuel onde Damião de Góis refere a obra a encomendar. Dir.: Auto-retrato Simon Bening.

Conforme anotações do seu filho, insertas numa obra de Vasari, – hoje na Biblioteca Nacional – António de Holanda terá fornecido os desenhos, possivelmente para Bening os colorir. De acordo com informação da ficha do manuscrito, – conforme podem verificar no site - dos 13 fólios existentes, Bening terá sido responsável por cinco e os outros sete terão sido completados por António de Holanda, entre os quais se encontra, quer o que retrata Sintra (f. 7r, site), quer um outro, de interesse no âmbito da representação da paisagem portuguesa, que dá a conhecer Santarém (f.8, site). Um outro, o último, permite ter noção de quanto engenhoso era António de Holanda na arte da iluminura e como pintor miniaturista, a quem segundo seu filho, – na obra “Da Pintura Antiga” - “podemos dar a palma e juízo, por ser o primeiro que fez e achou em Portugal o fazer  suave de preto e branco muito melhor que em outra parte do mundo». De salientar que esta atribuição de fólios a um e a outro, constante da ficha do manuscrito, não é pacífica nem consensual, mas não existe aqui lugar para mais desenvolvimentos.

Fig. 6 – Nota de Francisco de Holanda numa obra de Vasari onde refere que os desenhos de seu pai foram os escolhidos para ilustrar a obra encomendada pelo Infante D. Fernando.

Não queremos estar a saturar o leitor com detalhes que possam ser irrelevantes para o que pretendemos dar a conhecer – a representação de Sintra – mas pelo facto da informação constante e disponível no site inglês estar carenciada de detalhes que viemos a conhecer nesta última semana de estudo sobre a obra, obriga-nos, de forma a não desfraldar as expectativas dos leitores que manifestem o mesmo interesse de que de fomos assolados após a sua descoberta, a acrescentar esta panóplia de informações, que por mais que queiramos ficará sempre aquém. Conhecer a obra é valorizar a sua importância, tanto que viemos a saber que “esta obra-prima da arte da iluminação… é considerada por todos como superior a tudo quanto possue n’este género o Museu Britânico…”, segundo palavras de Frederico Francisco de La Figaniére, homem que após uma secular ocultação da obra, deu notícias da sua existência em 1853 no “Catalogo dos Manuscriptos Portugueses existentes no Museu Britanico”.

Fig. 7 - Frederico Francisco de La Figaniére.

Sabe-se que António de Holanda executou os Livros de Horas de D. Manuel, actualmente no Museu Nacional de Arte Antiga, e de D. Leonor, agora na Colec­ção Pierpont Morgan, de Nova Iorque, e terá colaborado também na iluminura da “Leitura Nova”, sendo-lhe atribuído as iluminuras da Crónica de DAfonso Henriques, de Duarte Galvão, onde se insere a mais antiga representação conhecida de Lisboa.

Fig. 8 – Iluminuras do Livro de Horas de D. Manuel e da Crónica de D. Afonso Henriques.

Ainda antes de terminar este capítulo, e conhecido o interesse de muitos dos nossos leitores por temas do designado hermetismo ocidental, confirmamos – a dúvida deve ter já surgido – que Frederico, de nome completo, Stuart de Figanière e Morão, é o autor da obra “Estudos Esotéricos: Submundo, Mundo, Supramundo”, editada em 1889 - uma obra de teor teosófico - que antecede a publicação da obra monumental de Helena Petrovna Blavatsky, “A Doutrina Secreta”.

2. Sobre o fólio onde se representa Sintra.

O fólio onde surge Sintra pertence ao designado Tronco de Portugal, o qual devia ser constituído por quatro tábuas, – a obra encontra-se à data ainda incompleta – e cada tábua é formada por dois fólios, existindo apenas os dois primeiros fólios e um terceiro deste tronco. Sintra surge logo no primeiro fólio.

Fig. 9 – Fólio da “Genealogia dos Reis” onde surge Sintra do lado esquerdo.

As representações que nos interessam, surgem na bordadura lateral esquerda, as quais, em virtude do pouco espaço disponível para o miniaturista realizar o seu trabalho, resultam numa deturpação da perspectiva, não deixando por causa disso, de representar o mais fiel possível cada monumento em si próprio.

Presume-se que a batalha que se vê no topo da bordadura seja a de Ourique. Pelo facto de se verificar uma formação de peões em quadrado, a acompanhar a investida dos cavaleiros e dos besteiros, enquanto no flanco direito os restantes cavaleiros procedem ao envolvimento dos atacantes, reforça a ideia de tratar-se da Batalha de Ourique, dado ser uma táctica seguida pelos portugueses na batalha de Aljubarrota dois séculos após. Foi precisamente antes da batalha de Ourique que se deu a aparição de Jesus Cristo a D. Afonso Henriques, tendo dado origem ao conhecido Juramento de Ourique. Pois bem, é este episódio retratado na cena segunda da bordadura, onde se verifica a presença de Cristo envolvido numa nuvem como se de um Serafim se tratasse, a comunicar com o nosso rei, a fazer lembrar um pouco as representações do episódio de São Francisco aquando da estigmatização, tão em voga na pintura quinhentista.

Fig. 10 – Cena 1 e 2 da bordadura onde parece estar representada a batalha de Ourique e a aparição a D. Afonso Henriques.

A bordadura inferior é preenchida por uma vista de Lisboa na época do Infante D.Fernando, onde é possível avistar com bastante rigor e detalhe diversos monumentos, alguns dos quais recentemente inaugurados, como sejam, a Torre de Belém e o Mosteiro dos Jerónimos. A propósito de Belém temos que chamar atenção para a inclusão da capela ou igreja do Restelo que se situava dentro da cerca dos Jerónimos – também nitidamente representada – e que nunca havíamos visto patenteada em data tão recuada.

Fig. 10 – Representação do Mosteiro dos Jerónimos, da Torre de Belém e da Capela do Restelo.

Apesar de ser uma representação quinhentista, verifica-se presença de um episódio que a nosso ver só pode ser o da reconquista em 1147 – houve dois assédios na história da cidade – e a presença de D. Afonso Henriques no fólio parece-o confirmar com alguma certeza. A representação de Beja e Évora no topo da bordadura do lado direito do fólio seguinte – conforme Ernesto Soares o faz no “Dicionário de Iconografia”, vol. IV – e tendo-se verificado também estas povoações terem sido conquistadas pelo rei referido, é mais um argumento a favor, assim como Santarém que em toda a sua plenitude se insere nesse mesmo fólio seguinte.

Fig. 11 - Santarém.

É de salientar ser esta imagem a segunda mais antiga que se conhece das panorâmicas de Lisboa – a primeira é a que se encontra na Crónica de Duarte Galvão já referida, e a fazer fé na atribuição de Reynaldo dos Santos, com justiça, também da lavra de António de Holanda – e não escapou aos olissipógrafos, apesar de nem todos saberem de que obra fazia parte, tendo mesmo inspirado Almada Negreiros na execução do painel que decora a reitoria da Universidade de Lisboa. Curiosamente também será, então, a segunda mais antiga representação de Sintra e a primeira colorida.

Fig. 12 - Lisboa.

Apesar de pouco visível, até porque se encontra ocultado em parte pela extremidade de uma vela de uma embarcação, verifica-se a presença do antiquíssimo Chafariz D’El Rei, do qual tivemos a sorte há uns anos de ter encontrado uma imagem num artigo de Vitor Serrão numa obra que raramente vemos em circulação intitulada “Estudos de História da Arte, Novos Contributos”, o qual por sua vez a tinha encontrado num pintura que se encontra ou encontrava em Madrid, permitindo a partir do rigor com que o artista intenta nesta representação, aquilatar indubitávelmente pela fidignidade das representações em geral desta iluminura. Não sabemos se já tinha sido detectada a sua representação nesta obra, até porque é quase imperceptível e não se equipara à representação que se verifica na panorâmica de Lisboa da biblioteca da Universidade de Leyde – também da primeira metade do séc. XVI – e na vista em perspectiva inserida na obra “Civitates Orbis Terrarum” de 1593, mas não deixa de ser de sublinhar, e quem sabe, tratar-se de mais um contributo para a bio-gravura do Chafariz que “tem uma construção admirável, com colunas e arcarias de mármore, e lança tal abundância de água, por seis torneiras, que ela só bastaria para dar de beber ao mundo todo” segundo Damião de Gois e transcrito por Vitor Serrão no artigo referido, aduzindo ainda que essa fonte “ … iguala ou supera todas as fontes que me lembro ter visto”. Também a de Sintra, Damião de Góis as conheceu, afirmando serem das mais frescas da Europa.

Aproveitamos então o momento para publicar a imagem referida, até porque outro poderia vir a não surgir no âmbito dos nossos trabalhos que se querem sobre Sintra especificamente.
Fig. 13 – Representação do Chafariz D’El Rei na “Genealogia dos Reis” (esq.) e pintura onde a mesma surge posteriormente.

Ainda sobre Lisboa queremos aludir para a representação do Paço, que inicialmente pareceu-nos trata-se da igreja circular de Santo Amaro, perto do Calvário em Alcântara. Nuno Rubim na sua obra “A Defesa Costeira dos Estuários do Tejo e do Sado. Desde D. João II até 1640”, onde pela primeira vez verificámos o destaque da representação de toda a linha de costa até Cascais, onde se inclui Sintra – e que deixou estupefacto o autor destas linhas, até porque detêm o livro na sua biblioteca particular e nunca se havia apercebido da representação – também a identifica como sendo a de Santos, entre outros. Todavia, e pela estranheza, até porque nos parece em nada se adequar à configuração conhecida da igreja onde repousam supostamente os restos mortais dos três mártires Veríssimo, Máxima e Júlia, - estes foram alvo de estudo há poucos anos – aprofundámos o assunto e acabámos por verificar não termos sido os únicos a colocar em dúvida a identificação. Certo é que a igreja de Santo Amaro só começou a ser edificada sensivelmente após a data da produção desta obra genealógica, pelo que será inverosímil ser uma representação sua. Fica o mistério.

Fig. 14 – Representação identificada como sendo a Igreja de Santos-o-Velho

Para terminar, no que diz respeito a Lisboa, propriamente dita, chamamos atenção para a representação do que nos parece ser a antiga igreja de São Vicente de Fora, local onde estiveram sitiados os cruzados que ajudaram à conquista de Lisboa, sendo no entanto pouco visível pelo que pode passar despercebida a olhos menos atentos.
Fig. 15 – Detalhe onde se verifica a Sé de Lisboa, o Paço de São Martinho e a São Vicente de Fora.

Resta-nos referir que em português, no ano de 1962, foi editado um estudo de António Aguiar sobre a obra em questão designado por A Genealogia iluminada do Infante Dom Fernando por António de Holanda e Simão Bening. Estudo histórico e crítico..., e que encontrámos o fólio publicado a preto e branco na obra “Lisboa Quinhentista” de 1983 e, no “O Paço da Ribeira” de Nuno Senos, todos eles não se referindo às representações de Sintra nem as publicando com qualidade suficiente para as detectar.

3. A representação de Sintra.

Como já havíamos referido, é possível verificar a representação de Sintra no primeiro fólio do Tronco de Portugal, surgindo na tarja lateral esquerda, precisamente abaixo da cena do episódio de Ourique.

Fig. 16 – Representação de Sintra no fólio da obra em questão.

Dos três monumentos que marcam presença na iluminura no que respeita à zona de Sintra, o Palácio da Vila é o que se apresenta com maior detalhe e rigor, sendo possível dar conta de uma fonte junto aos arcos e à escadaria, – à semelhança do que ainda hoje existe – detalhe esse que não é possível descortinar nas representações do “Livro das Fortalezas” de Duarte D’ Armas. Curiosamente, parece que esta representação, ao excluir os edifícios que ficavam à frente do palácio, antecipa a ideia que se vem a concretizar já no século XX de os demolir de forma a permitir uma maior visibilidade da frontaria do palácio. Não pretendeu o artista representar a povoação, concentrando-se apenas na representação do que se podia entender como parte integrante da estrutura palaciana.

Fig. 17 – O Paço da Vila de Sintra.

Relativamente ao Castelo, o monumento de mais difícil interpretação, pensamos que existe também uma tentativa de aproximação à realidade da parte do artista, mas que por constrangimentos ditados pela exiguidade do espaço disponível, optou por representar apenas a cintura de muralhas que nessa altura devia estar mais bem conservada, ou seja, aquela que também nós conhecemos como melhor conservada nos séculos seguintes, aquela onde se insere as designadas torres do castelo. Numa primeira abordagem pode-se ficar com a ideia de que a representação não tem qualquer aderência à realidade, aliás já retratada pelo Duarte D’ Armas, mas pode ser apenas uma ilusão e a esse tema iremos consagrar um próximo artigo.

Fig. 18 – Castelo dos Mouros.

Por fim, e para terminar nas alturas da Nossa Senhora da Pena, resta apresentar o Convento dos Frades Jerónimos que havia tomado esta configuração no tempo de D. Manuel I, um autêntico ninho de águias como já alguém havia afirmado. Para aquilatarem a respeito da fidelidade do desenho, existe disponível as gravuras de Duarte D’Armas, que o apresenta com algum detalhe e a gravura de D. Fernando II, que podem ver no “Roteiro Lírico de Sintra” e mostra-nos o monumento da mesma perspectiva. Outras gravuras existem mas focam-se na entrada principal.

Fig. 19 – Convento de Nossa Senhora da Pena.


Após a conclusão deste artigo – feito em duas semanas, pelo que pedimos desculpa por algum erro grave em que tenhamos incorrido ou alguma literatura que não tenhamos verificado ou conhecido sobre o assunto – folheámos todas as páginas do dito “Livro de Horas de D. Manuel” que é atribuído também a António de Holanda – teve intervenção de mais dois ou três artistas – para verificar se mais alguma informação haveria a recolher. De facto, verifica-se no fólio 25, mais uma representação, de Lisboa – imagem já conhecida e divulgada nos estudos olissiponenses – e de toda a costa que vai de Lisboa até à serra de Sintra-Cascais. Representação esta, com nítidas semelhanças com a da “Genealogia dos Reis”, o que reforça a autoria de ambas atribuída a António de Holanda.

Fig. 20 – "Livro de Horas de D. Manuel", fl. 25.

Esta obra não se encontra digitalizada, não sendo de todo possível ver a imagem com a nitidez suficiente para perceber se existe algum monumento presente. Estamos em crer que não, a não ser de facto a serra ou mesmo o cabo da Roca que parece misturar-se com a representação da serra que está nas costas de São João Evangelista. Não deixa de ser curioso que a serra por detrás Virgem, que tem nos seus braços o menino, tem semelhanças com a zona da serra de Sintra onde se deu a aparição da Nossa Senhora da Peninha. Não sabemos se houve alguma intenção mas não deixa de ser curioso, pelo que terminamos com este reparo. 

2 comentários:

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  2. Interessantissimo. gostaria de sugerir, (talvez ignorante de constituiçaõ desta 'circulo' Sintra Subterrânea), que fosse alargado para incluir reuniões ou 'tertulias' em Sintra.

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